O Brasil precisa de um novo projeto nacional
Emir Sader
Os anos virtuosos que o Brasil viveu neste século foram devidos a um projeto nacional de desenvolvimento econômico com distribuição de renda. A popularidade de Lula e do seu governo foram devidas a esse projeto, que conquistou a adesão de amplos setores do País, seja porque foram beneficiados diretamente por ele, seja porque não poderiam ficar fora e contra um projeto com tamanha adesão nacional.
Foi um momento em que a esquerda conquistou hegemonia a nível nacional, através desse projeto. Suas virtudes estiveram na combinação entre desenvolvimento com inclusão social, expansão econômica e ampliação gigantesca do mercado interno de consumo popular, política internacional que projetou o País como um agente global e políticas de integração regional e intercâmbio Sul-Sul, investimento econômico do Estado e controle da inflação.
A esquerda impôs o consenso nacional, contra aquele que se centrava no ajuste fiscal, de sucesso nos anos 1990, até que se esgotou e foi superado pelo novo consenso. Esses valores eram expressos nos discursos de Lula, mas as forças de esquerda não chegaram a tematizá-lo, a elaborá-lo, o que teria permitido ter consciência das razões do sucesso dessa política e, ao mesmo tempo, se dar conta dos obstáculos que poderia enfrentar e, assim, dos seus limites.
Esse sucesso foi mais resultado da sensibilidade política concreta de Lula, que buscou avanços pelas linhas de menor resistência, explorando os lados mais frágeis do modelo neoliberal. Ao invés da centralidade do ajuste fiscal, manutenção deste, mas em função de centralidade das políticas sociais. Controlar as finanças públicas, para expandir a ação econômica e social do Estado, ao invés do Estado mínimo. Projetar o País no mundo e atuar pela integração regional, no lugar da subordinação à política dos EUA.
Esse modelo, por limitações que não conseguiu superar, pela mudança das condições internacionais e pela reformulação da ação da direita brasileira, terminou se esgotando e desembocou no golpe, que terminou com a série mais longa e expressiva de governos populares na história brasileira.
Essa é a via da reconstrução da alternativa hegemônica de esquerda na era neoliberal. Mas para atualizá-la, a esquerda precisa superar os dois maiores obstáculos pendentes: o predomínio do capital especulativo na economia e o predomínio do monopólio privado nos meios de comunicação.
Precisa reelaborar o tipo de política econômica, adequado às novas condições internacionais, regionais e internas, que retome o modelo de desenvolvimento econômico com distribuição de renda. Precisa formular as profundas reformas do sistema político e do próprio aparelho de Estado, correspondentes às condições atuais do Brasil.
Alem de ampliar muito a plataforma da esquerda na direção de reivindicações deixadas de lado até aqui e que tocam muito diretamente aos jovens: descriminalização das drogas leves, descriminalizacao do aborto, combate ao genocídio dos jovens negros, ampla política de caráter ecológico, entre tantas outras.
A unidade ampla de todas as forças de esquerda é sempre uma condição necessária, mas ela não é suficiente. A definição do projeto nacional é que definirá os setores que devem ser abarcados para a reconstrução do bloco social e do bloco político que permita a esquerda voltar a se tornar hegemônica na sociedade.
Uma intensa luta no plano das ideias é condição indispensável para que esse projeto possa triunfar de novo. Combater os clichês que a direita voltou a impor, como a ineficiência do Estado, os supostos gastos excessivos em politicas sociais, o custo alto da contratação da força de trabalho, entre outros.
Um balanço do período feito pela esquerda tem que ter como norte esse projeto nacional que o País precisa. Para, a partir daí, definir o lugar do PT, da esquerda, dos movimentos populares. Só com esse projeto, atualizado, a esquerda se colocará em condições de voltar a lutar pela sua hegemonia no País.
http://www.brasil247.com/pt/blog/emirsader/273494/O-Brasil-precisa-de-um-novo-projeto-nacional.htm
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