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Septiembre 2015

(Diccionario portugués-español)

TEORIAS E PRÁTICAS NA CONSTRUÇÃO DE UMA CIDADE CRIATIVA:

PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES PARA O MUNICÍPIO DE DOIS IRMÃOS, RS, BRASIL


Camila Borniger1
Mary Sandra Guerra Ashton2
Marsal Avila Alves Branco3


RESUMO


Esse estudo parte do questionamento que refere-se a relação entre teorias e práticas na construção de uma cidade criativa. Tem como objetivo compreender o processo de transformação de uma cidade industrial para uma cidade criativa, utilizando-se, basicamente, de pesquisa exploratória dos conceitos relativos às cidades criativas e seus estágios de desenvolvimento, relacionados com as ações já realizadas e aquelas que estão em desenvolvimento no município de Dois Irmãos, por meio de um estudo de caso.


Como resultados preliminares, tem-se que o município está nos estágios iniciais de transformação para uma cidade criativa, mas com ações importantes para consolidar esse conceito.



Palavras-chave: Processo de Transformação. Cidade Criativa. Estudo de Caso. Dois Irmãos, RS, Brasil.




ABSTRACT

The study’s objective is regarded to the relation between practical and theoretical practices in the construction of creative cities. The purpose of this study is to comprehend the transformation process to create a creative city, utilising, exploratory research of the concepts relating to creative cities and their stages of development, analysing the actions taken and being taken in the city of Dois Irmãos via case study. As a preliminary result, it is concluded that the town is in its early transformation stages to become a creative city, but taking important actions in order to do so.


Key words: Transformation Process. Creative City. Case Study. Dois Irmãos, RS, Brasil.




  1. 1INTRODUÇÃO


Elementos imateriais como o conhecimento e a criatividade têm ganhado destaque nas últimas décadas e, se intensificado a partir do surgimento e valorização dos setores relacionados às indústrias criativas. Observa-se sua aplicação na economia, nas empresas e nas cidades, tanto no meio acadêmico em estudos científicos, quanto no meio profissional e empresarial, na prática. Esses aspectos surgem como uma alternativa ao modelo industrial, que tem se mostrado enfraquecido e menos atrativo. A criatividade como elemento propulsor possibilita a criação de novas oportunidades, uma vez que se refere a um elemento universal e inesgotável. Esse elemento, portanto, está no foco da economia criativa, das indústrias criativas e das cidades criativas, objeto de estudo desta pesquisa (ALENCAR, 1995).


Cidades com essas características, entretanto, não surgem aleatoriamente. Geralmente são cidades que passam por um profundo processo de transformação. Esse processo, sinteticamente envolve diferentes estágios, iniciando na consciência de que a criatividade é esparsa e necessita de conexões para torna-la útil, passando pela consciência de uma ou mais esferas da sociedade, pela necessidade de uma cidade mais criativa, com mais oportunidades aos cidadãos e mais participação no uso do espaço urbano, chegando a uma consolidação de ações nesse sentido (REIS, 2013).


O questionamento norteador desse estudo surge a partir dessas pesquisas e se refere à relação entre os conceitos que perpassam as cidades criativas, no que diz respeito ao processo de transformação de uma cidade em criativa e a prática, por meio do estudo das ações e oportunidades já criadas e em desenvolvimento em Dois Irmãos, uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul, que será o objeto de estudo deste artigo. O objetivo é, portanto, compreender essa relação entre teoria e prática na construção das ações para uma cidade mais criativa.


Como hipóteses, tem-se que esse é um processo ainda em estágio inicial na cidade, a qual possui ações isoladas, mas deixa a desejar no que diz respeito a conexões entre os setores da sociedade. Além disso, supõem-se que há um movimento de parcerias público-privadas nesse sentido, entretanto, não totalmente consolidado por ambas as partes e, ainda restrito a um número menor de empresas.


Para confirmar ou refutar essas hipóteses, utiliza-se como metodologia a pesquisa exploratória, embasada na pesquisa bibliográfica a partir de estudos já existentes sobre cidades criativas, apoiada por observações feitas a partir da participação em reuniões realizadas do primeiro semestre de 2015 no município de Dois Irmãos. O artigo também traz a técnica de estudo de caso sobre o município em questão, no qual se acredita que existam ações voltadas para a construção de uma cidade mais criativa.


Para tanto, esse estudo está estruturado em seis partes. Inicia relacionando os diferentes fatores compreendidos pelas cidades criativas, suas características e o processo de transformação para uma cidade criativa. Posteriormente, esse artigo traz informações sobre o objeto de estudo, no caso, o município de Dois Irmãos, a partir de sua história e com o foco de evidenciar ações criativas que estão sendo desenvolvidas e, por fim, a análise e os resultados.


  1. 2 DA CIDADE INDUSTRIAL À CIDADE CRIATIVA: CONCEITOS E PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÃO


Após a revolução industrial e até a década de 1990, vigorava na sociedade um modelo de produção basicamente industrial. Com foco na produção em massa e em matéria-prima consistindo em insumos materiais, esse modelo de produção caracterizou um período em que as perspectivas sociais estavam fortemente atreladas ao trabalho e as cidades organizadas para atender as demandas industriais (TERRA, 2001).


Entretanto, na década de 1990, novos modelos de produção e tipos de empresas começaram a surgir, a partir das mudanças sociais que aconteceram. A sociedade passou por uma transformação, embasada em perspectivas trazidas pelas novas tecnologias e pela globalização, o que desencadeou, também, uma ressignificação de valores sociais e tornou elementos imateriais como propulsores de novas eras, como a do conhecimento e a da informação, fazendo surgir novas possibilidades sociais, industriais e urbanas (MIGUEZ, 2007).


Dentre estes elementos imateriais, encontra-se a criatividade, que tem tido destaque a partir dos estudos da economia criativa que pode ser definida como uma economia que busca soluções criativas para os problemas no âmbito social, cultural e econômico (LANDRY in REIS; KAGEYAMA, 2011; LANDRY, 2013). Este conceito está embasado na economia da cultura e na economia do conhecimento, conforme explica Reis (2008, p.4):


da economia do conhecimento toma a ênfase no trinômio tecnologia, mão-de-obra capacitada e geração de direitos de propriedade intelectual [...] os setores da economia criativa integram a economia do conhecimento, muito embora esta não dê à cultura a ênfase que a economia criativa lhe confere. Da economia da cultura propõe a valorização da autenticidade e do intangível cultural único e inimitável, abrindo as comportas das aspirações dos países em desenvolvimento de ter um recurso abundante em suas mãos.


Nota-se que a economia criativa apropriou-se de características, tanto da economia do conhecimento, quanto da economia da cultura em sua estruturação, agregando-lhes características específicas da economia criativa, entretanto, sem desconsiderar àqueles nas quais ela foi embasada.


Na economia criativa, cada vez mais a informação, o conhecimento e a criatividade são as matérias-primas na construção desse sistema. Para Landry (2013, p. 21) “os impactos da crescente economia do conhecimento intensivo foram enormes na organização do trabalho e das cidades”. Isso gerou um processo de reconstrução social, industrial e urbano, aumentando o número de profissionais das áreas criativas e tornando a cidade capaz de gerar colaboração, de oferecer uma vida artística mais rica, com mais conexão entre os indivíduos, tornando-se uma fonte de recursos em aprendizado.


O conceito cidades criativas, mencionado pela primeira vez por Landry e Bianchini em 1995, foi desenvolvido com base na necessidade de inovação das empresas e dos locais, alinhadas às transformações econômicas e sociais (globalização, novas tecnologias, entre outros) e está embasado no norteador da economia criativa: a criatividade (REIS, 2012). As cidades criativas surgem, portanto, como uma nova forma de pensar o território urbano, tornando a criatividade elemento propulsor do desenvolvimento social e econômico (VIVANT, 2012). Essa transição ocorreu, a partir do momento em que se reconheceu a possibilidade de criar, transformar uma estrutura urbana com base na criatividade (REIS, 2011).


Vários autores (REIS, 2012; LANDRY, 2013; FLORIDA, 2011; MIRANDA, 2012; VIVANT, 2011) a partir de então, seguiram os estudos acerca das cidades criativas e adaptaram seu conceito a partir de suas próprias pesquisas. A síntese desses conceitos com base em cada um dos autores é apresentada no quadro 1.


Quadro 1 – Conceitos de cidade criativa


Estudiosos

Cidades criativas

Vivant (2011)

As cidades criativas possuem diferentes características que as tornam atrativas para residentes e turistas, além de economicamente mais desenvolvidas. A relevância da construção de cidades criativas por meio do desenvolvimento criativo de seus indivíduos.

Reis (2012)

Os elementos conducentes para a elucidação de um conceito de cidade criativa são: a) aura sensorial, que aguça os sentidos, b) destinos atraentes para pessoas criativas, c) papel crucial dos espaços públicos, d) governança de amplo espectro, e) constante transformação, cidade em alerta para antecipar ou transmutar problemas.

Landry (2013)

Uma cidade criativa é uma cidade que possui a estrutura necessária para gerar um fluxo de novas ideias e invenções.

Florida (2002)

Uma cidade criativa é aquela que colabora com a conectividade entre as pessoas, pois a criatividade surge a partir da diversidade e da coletividade que há no espaço urbano.

Miranda (2012)

A identificação de elementos urbanos, materiais e imateriais e a forma como eles são utilizados contribui, também, para o desenvolvimento e o processo de transformação para uma cidade criativa.

Rotem (2011)

O espaço público é multifacetado e a cidade criativa é construída a partir de ações diárias e exporádicas.

Fonte: Elaborado pela autora


Ao desenvolver o conceito de cidades criativas, Reis (2012), Landry (2013), Florida (2011), Vivant (2011), buscaram evidenciar suas singularidades, que se mostraram convergentes em alguns pontos como: os aspectos locais coletivos, de experimentação e orientados para uma cultura da criatividade. Os aspectos locais coletivos definem-se pela criação de locais públicos que promovam a coletividade e o encontro dos indivíduos e nos quais seja possível a realização de diferentes atividades, promovendo a experimentação dos indivíduos com diferentes tipos de arte e com culturas múltiplas.

A orientação da criatividade, por sua vez, se dá a partir de uma cultura que promova o desenvolvimento das novas ideias, seja nesses locais, que não só possuam atividades culturais, mas que possuam atividades de ensino e experimentação a essa cultura da criatividade. As características semelhantes apresentadas pelos autores consistem na diversidade – de talentos, de trocas, de conexões, de atividades culturais-; abertura e retenção de talentos criativos, para que esses talentos queiram permanecer na cidade e desenvolver sua criatividade para soluções locais, além de tornar a cidade criativa para atrair talentos de outras cidades; geração de valor econômico, a partir de produtos culturais; o engajamento coletivo, para a criação de soluções para os problemas existentes e a governança engajada em criar estímulos e proporcionar o desenvolvimento cultural das cidades.

Convergente é, também, a ideia de que a criatividade nesse contexto deve ser vista como elemento fundamental, mas não isolado e nem excludente. Essa criatividade é multidisciplinar, transversal às políticas econômicas, principalmente quando se fala em cidades criativas (REIS, 2012). Quanto maior a heterogeneidade e as trocas entre diferentes pessoas (diferentes em classe, gênero, cultura) mais propício é o ambiente para o desenvolvimento de criatividade (VIVANT, 2012).

Nesse sentido, Reis (2012) afirma que a cidade é um espaço para promover encontros e convivências entre os indivíduos que ali habitam. Essa característica permite que estes indivíduos criem uma ideia de uma cidade real versus uma cidade desejada, fundindo-se em um propósito do que se espera de uma cidade para morar e a realidade ideal de uma cidade para desfrutar (cidade turística). Lerner (2011) complementa que toda a cidade tem potencial para ser criativa, partindo do pressuposto de que a cidade é composta por pessoas e a criatividade é característica natural dessas pessoas.

Desenvolver conexões para a criatividade por meio de uma plataforma que una diferentes setores das cidades para pensar juntos na resolução de problemas e na promoção de uma cidade mais criativa seria um primeiro passo de uma série de ações para a construção de uma cidade criativa (LANDRY, 2013; VIVANT, 2012). Um objetivo comum no processo de transição para uma cidade criativa é, justamente, fazer com que as cidades estejam abertas às mudanças. Isso contribuiria para o desenvolvimento natural de novas ideias e novas soluções para o enfrentamento de novos desafios (LANDRY, 2013).


Nota-se, com isso, que a cidade criativa não surge repentinamente. Ela é, na verdade, uma construção estratégica com ações de longo prazo. Isso pode ser exemplificado pelos estudos de casos de Bilbao na Espanha, de Bogotá, na Colômbia, Londres no Reino Unido, Barcelona na Espanha, Berlim na Alemanha, Nova York nos Estados Unidos, apresentados nos estudos de Reis (2012), que tiverem um planejamento estratégico de duração médio de 25 anos. Com base em Reis (2012), o processo de transformação dessas cidades iniciou com pesquisas de clusters criativos e da representatividade desses setores criativos na economia, seguido por estratégias de estado, consolidadas entre setores público, privado e sociedade civil, com ações que fomentam o reconhecimento do indivíduo com o espaço, a reapropriação de espaços urbanos inutilizados e o investimento em cultura e educação.


Reis (2012) reforça que essa transformação para uma cidade criativa deve, essencialmente, ser vista como um processo que possui estágios específicos, desde o inicial, que conta com iniciativas isoladas até a consolidação de uma cidade criativa. Reis (2012) divide esses estágios em três fases: na primeira delas, a criatividade é, basicamente, um elemento esparso no espaço urbano, que se manifesta de maneira bastante orgânica por meio de iniciativas isoladas, sejam do setor público, privado, ou da sociedade civil, sem conexões entre si. Na segunda fase, a criatividade já é catalisada por meio de algum fator desencadeador de um dos setores, seja pela sociedade-civil, através de uma visão da cidade como um todo, ou por uma governança integradora que promova ações conjuntas com outro setor, ou ainda, pela iniciativa privada, que cria ações mais integradoras e conectadas entre si, podendo tornar visíveis os polos de criatividade associados a determinados distritos. A terceira fase proposta pela autora seria a consolidação, de fato, da cidade criativa, de forma que a criatividade esteja difusa por todo o espaço urbano e as estratégias dos diferentes setores da sociedade (público, privado e sociedade-civil) estejam interligadas entre si.


Entretanto, acredita-se que o processo de construção de uma cidade criativa seja mais complexo e em mais fases além destas apresentadas por Reis (2012). Além disso, é importante ressaltar que este é um processo de longo prazo, portanto, o tempo de permanência em cada uma destas etapas da transição pode ser longo e irá depender, com base nas pesquisas de Reis (2012), do reconhecimento da importância das conexões entre todos os setores sociais “é preciso engendrar equações de corresponsabilidade – unindo o governo, o setor privado e os esforços da sociedade civil” (LERNER, 2011) na descoberta soluções e caminhos para uma cidade criativa.


Essas conexões, acompanhadas por inovação e cultura seriam, para Reis (2012) as três questões primordiais para esse processo de transformação das cidades. As inovações dizem respeito ao que está em uma construção inicial, seja na criação de novos produtos ou como estímulo para a reconstrução do que já existe. São inúmeras as relações com a inovação no contexto de cidades criativas: seja no âmbito arquitetônico, tornando a cidade visualmente mais agradável, na área da educação, por meio de projetos e ações que envolvem os cidadãos nas diferentes fases da vida, no planejamento municipal, com uma infraestrutura construída para atender melhorias urbanas, ou ainda, inovações em pesquisas e estudos que resultam em novas ideias e novos resultados (REIS, 2012). Assim, as conexões se definem pela capacidade de ligação dos segmentos da sociedade, de conexões dos recursos urbanos e ligações entre os diferentes espaços urbanos. As conexões possibilitam um maior relacionamento entre pessoas e locais o que permite a identificação mais eficaz de carências e possibilidades de crescimento e, consequentemente uma eficiência maior no desenvolvimento das ações sociais e educacionais.


Além disso, envolve o sentido da valorização da cultura local. A realização de atividades culturais nas áreas cênicas ou das artes, por exemplo, estimulam a criatividade e geram a atração de um número maior de pessoas. Quanto maior é o estímulo a atividades culturais mais esse ciclo se alimenta, pois maior será o consumo artístico-cultural, o que amplia as possibilidades da cultura para um âmbito além de artístico, econômico (REIS, 2012).


Tais questões se relacionam com a medida proposta por Florida (2011) sobre cidade criativa, por meio da Tecnologia, Talento e Tolerância (3 T’s). A tecnologia seria avaliada por meio do número de diplomas técnicos, o talento, pelo número de pessoas com ensino superior completo e a tolerância pela diversidade, peso da comunidade homossexual e pela boemia artística. Apesar das críticas a esses índices por serem limitados a um diploma e não às características pessoais, se dá um destaque maior para a diversidade, que seria a indispensável para tornar uma cidade mais criativa e o índice boêmio, que, relacionado a maior participação dos indivíduos no desenvolvimento e na participação de atividades culturais, contribuindo para o capital cultural destes indivíduos (FLORIDA, 2011; VIVANT, 2012).

Nesse sentido, Rotem (2011) contribui afirmando que o espaço público é multifacetado e incentiva a criatividade na medida em que se torna mais bacana, seja por meio de atividades diárias, ou eventos especiais que estimulem os três tipos de mentalidades sobre aquele espaço (ativa e voltada para o externo; indiferente e relacionada às atividades do dia-a-dia e ausente, voltada para o interno em atividades particulares).

Para tornar possível o desenvolvimento criativo, seria necessário o desenvolvimento de um conjunto de milhares de pequenas ações, as quais incluam proporcionar um ambiente agradável e investir para manter estas atividades. Isso contribuiria para o aumento no número de ações e na diversidade de áreas artísticas e, consequentemente no capital material e imaterial do espaço urbano. Para que tais ações ocorram, reforça-se o reconhecimento a algumas ideias já expostas: é preciso reconhecer que o processo de transformação acontece em longo prazo; que é necessário o envolvimento da sociedade civil, das empresas privadas e dos órgãos públicos em prol de um objetivo comum e que é necessário o desenvolvimento de ações para uma cultura da criatividade.

Tornar uma cidade criativa não refere-se apenas a dar atenção a classe artística já existente, mas sim, cercar-se por um conjunto de ações que englobem o desenvolvimento do espaço urbano, com atividades que estejam relacionadas, não só a cultura, mas também, a educação, segurança, mobilidade urbana.

Isso reforça a ideia da cultura como um quarto pilar do desenvolvimento, proposta por Miranda (2012), ao lado dos pilares social, econômico e ambiental. A cultura deve ser pensada como ferramenta e território para potencializar o desenvolvimento humano, tornando-se fundamental para o desenvolvimento urbano sustentável. Essa perspectiva traz uma noção de conexão entre os pilares, focada na importância da cultura como propulsora de novas possibilidades para o espaço urbano e não apenas como um item isolado.


  1. 3METODOLOGIA


Esse artigo foi construído a partir da pesquisa bibliográfica, que busca “a identificação, localização e obtenção da bibliografia pertinente sobre o assunto” (DUARTE; BARROS, 2008 p. 51). Essa pesquisa foi desenvolvida com base no contexto de cidades criativas, a partir da perspectiva de seu processo de transformação. A pesquisa bibliográfica possibilitou o conhecimento de cada um dos temas e embasa a análise que será feita a seguir. O procedimento de estudo de caso é compreendido nesta pesquisa, a partir do estudo do município de Dois Irmãos (YIN, 2001).

A abordagem que caracteriza essa pesquisa refere-se a uma abordagem qualitativa, por considerar a “relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito e, portanto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números” (PRODANOV e FREITAS, 2013, p. 70). Trata-se de uma pesquisa com análise descritiva que busca compreender a relação entre os temas centrais citados anteriormente.

Como técnicas de pesquisa, tem-se a observação direta intensiva que consiste na realização de observação (PRODANOV, FREITAS, 2013) e, como instrumentos, a observação não participante, a partir da participação em reuniões entre os setores público e privado sobre a criação de novas perspectivas culturais, realizadas no primeiro semestre de 2015 e com base nas ações que tem sido planejadas e desenvolvidas a partir destas reuniões e de outros encontros entre os diversos setores sociais.

Foram escolhidas tais técnicas de pesquisa, pois elas são complementares, uma vez que o município está em processo de construção de ações – e dados – mais específicos relacionadas ao conceito de cidades criativas. O objeto de estudo foi definido a partir da observação da autora de que a cidade tem tido iniciativas interessantes relacionadas a interconexões de setores. Além disso, o objeto de estudo foi definido a partir da facilidade no acesso da presença em reuniões municipais, já que uma das autoras reside na cidade.


  1. 4MUNICÍPIO DE DOIS IRMÃOS: HISTÓRIA, DESENVOLVIMENTO E PERSPECTIVAS


4.1 Breve Histórico:

Dois Irmãos é reconhecido como um município emancipado da Colônia de São Leopoldo desde setembro de 1959, mas sua fundação é datada de 1829, quando inúmeros imigrantes alemães chegaram na cidade. A data é tão representativa para o município que até hoje, no dia 29 de setembro, é comemorado o Kerb de São Miguel, alusivo a chegada destes imigrantes, ex náufragos do navio Cecília. O veleiro partiu de Hamburgo em 1827, mas uma tempestade surpreendeu os viajantes e os tripulantes que abandonaram o navio. Após velejarem sem rumo, chegaram na Inglaterra onde foi definido o destino dos viajantes.


Dois Irmãos ganhou esse nome devido aos morros gêmeos que são vistos logo no acesso da cidade, entretanto, vários moradores traduzem o nome do município para o alemão como Baumschneis, que significa picada dos Baum, sobrenome da primeira família que chegou na cidade.Por muitos anos a cidade dependeu essencialmente da agricultura. O adensamento construtivo e demográfico do município se fez ao longo da Av. São Miguel, com casas de comércio, de atividades artesanais como as ferrarias, as marcenarias, as carpintarias, as sapatarias, as lombilharias, entre outros (PREFEITURA MUNICIPAL DE DOIS IRMÃOS).


Ícones desta época, ainda hoje, podem ser visitados na cidade. Obras arquitetônicas como a antiga Igreja Católica de São Miguel (1880), a Sociedade de Canto Santa Cecília (1927), a Sociedade Atiradores (1897), a Escola Imaculada Conceição (1900), a Igreja evangélica (1855), a Igreja Evangélica Luterana (1938), foram preservadas e estão abertas para visitação (IBGE).


Algumas dessas construções, como a Igreja Católica de São Miguel e a Sociedade Santa Cecília foram reestruturadas. A Igreja é tombada pelo patrimônio histórico e é palco para eventos culturais, como exposições de arte e apresentações artísticas, conforme Figura 1. Já a Sociedade, recebeu outras funções: como restaurante e quadra de esportes, além de alocar eventos públicos e particulares de diferentes formatos (Secretaria de Educação e Cultura de Dois Irmãos).


Estas construções encontram-se nas ruas principais do município, onde também está localizada a Praça do Imigrante, cartão postal da cidade. O local possui um monumento em homenagem aos primeiros imigrantes alemães que chegaram no município e povoaram a cidade, palco de eventos municipais como a Feira do Livro, conforme Figura 2, realizada anualmente.


Figura 1 – Exposição de Arte realizada na Antiga Matriz



Foto: Arquivo próprio


Fonte: arquivo próprio



  1. a)Econômico: Seu ambiente econômico gira em torno do setor calçadista, cuja representatividade é bastante significativa devido ao número de indústrias do segmento instauradas no município. Um grande grupo que engloba o setor moveleiro, de comércio e de serviços também é responsável por uma parcela importante de emprego e renda na cidade que tem seu PIB per capita em torno de R$ 28.800,00. E, apesar de sua história estar embasada na economia rural, hoje este segmento faz parte de, apenas, 2% de seu Produto Interno Bruto (IBGE, 2012). Atualmente o município é o 4º produtor no Estado e 5º em exportação calçadista no Brasil (PREFEITURA DE DOIS IRMÃOS).


  1. b)Ambiental: No que se refere ao aspecto ambiental, o município possui uma grande área arborizada, principalmente, no interior do município. Além disso, é um município exemplo no que diz respeito a coleta seletiva do lixo, sendo a usina de reciclagem considerada padrão para outras cidades da região. Não há poluição visual, pois os anúncios em outdoors são restritos. Em contrapartida, apenas 2% de esgoto da cidade é tratado, sendo o restante depositado irregularmente em rios e arroios da cidade. Sobre o ambiente de Dois Irmãos, verifica-se que não é comum encontrar prédios depredados ou vandalizados, não é uma cidade repleta de altas construções, na área central possui boas ruas e calçadas que facilitam o passeio. O acesso para o município depende de carro próprio, táxi ou de ônibus coletivo – com frequência de hora em hora – operado por uma empresa. No centro da cidade, o acesso é fácil e todas as opções culturais e os espaços de lazer encontram-se próximos uns dos outros. Outra característica relacionada ao meio ambiente refere-se a limpeza e arborização. O município é bastante arborizado e limpo. O ambiente como um todo é bastante desfrutado por moradores e turistas que visitam o centro da cidade. Frequentemente encontram-se pessoas nos espaços públicos, mesmo que não tenha nenhum evento especial. A ideia de pertencimento ao lugar é percebida e confirmada em uma pesquisa realizada em 2013 por acadêmicos que questionaram cerca de 500 pessoas sobre aspectos da cidade, destas 98% responderam que gostam de morar em Dois Irmãos e que se identificam com a cidade.


  1. c)Social: Atualmente, o município possui cerca de mais de 27.500 habitantes, distribuídos em uma área total de pouco mais de 65 km², dos quais mais de 90% é alfabetizado (pouco mais de 25000). Para manter esse índice, há, no município 13 escolas de ensino fundamental, 23 de ensino pré-escolar e 2 de ensino médio. O índice de desenvolvimento humano do município, está em constante crescimento: de 0,535 em 1991 e 0,676 em 2005 para 0,743 em 2010, maior que o índice nacional (0,718), mas abaixo de cidades mais populosas do estado como Porto Alegre (acima de 0,8) e Santa Maria (0,78). Este índice avalia a qualidade de vida e o desenvolvimento econômico de determinada população. Há um índice superior a 29% no que diz respeito a incidência de pobreza no município. Para estas famílias, o município conta com o repasse de recursos advindos de programas federais, como o Bolsa Família e, também, desenvolve, esporadicamente, ações específicas para a arrecadação de doações diversas (IBGE, 2012).


  1. d)Cultural: No que se refere à esfera cultural, a cidade possui um museu com objetos antigos de imigrantes alemães, a antiga Igreja Matriz, que possui programação mensal de diferentes atividades artísticas, como exposições, shows acústicos, apresentações teatrais, entre outras e um teatro particular, que produz espetáculos teatrais, atividades musicais, apresentações circenses.


No que diz respeito a preservação histórico-cultural do município, há locais onde é possível relembrar antigas tradições, como no colha e pague: uma antiga casa enxaimel onde em seu entorno é possível colher por si mesmo frutas direto do pé e verduras da terra e pagar por elas, o mundo dos ovos, onde também é possível colher e comprar ovos de forma rústica, uma cervejaria, local em que se pode acompanhar o processo de fabricação de uma cerveja artesanal, o museu municipal, instalado em uma casa enxaimel, no qual é representada uma verdadeira casa antiga, por meio de seus objetos doados por descendentes de imigrantes, a antiga igreja matriz, que hoje é palco de diferentes atividades culturais, como exposições, apresentações acústicas e teatrais.


Sobre as possibilidades artístico-culturais, há na cidade um Teatro privado, o qual possui programação diferenciada de espetáculos, apresentações circenses, músicas, cursos de artes cênicas, aulas de danças, workshops e palestras para todas as faixas etárias. Há, também, um pub construído em uma antiga casa enxaimel que possui música ao vivo de diferentes músicos locais.


Eventos municipais também fazem parte da movimentação artística do município. Dentre eles, destaque para o Kerb de São Miguel, que relembra os costumes e tradições dos antigos festejos em homenagem a chegada dos imigrantes alemães no município, a feira do livro, que acontece anualmente e traz para a cidade diferentes opções de atividades ligadas a literatura, como espetáculos educativos, bate-papo com os autores, entre outros. O Natal dos Anjos, que comemora o período natalino com ações culturais integradas em diferentes pontos da cidade, como, por exemplo, a apresentação de grupos municipais e escolares e a Feira do Produtor, evento destinado a micro e pequenas empresas de todos os segmentos, dentre os quais, destaque para o agronegócio e artesanato do município que são setores com maior número de expositores.


Destaca-se, entretanto, que tais atividades acontecem, essencialmente, no centro da cidade. Apesar das ações desenvolvidas essencialmente nos bairros serem realizadas em menor número, há, anualmente, a apresentação de espetáculos socioambientais que acontecem ao longo do mês de junho, conhecido por contemplar a semana do meio ambiente. Essas apresentações acontecem de forma integrada com outras ações da Prefeitura em todas as escolas municipais de Dois Irmãos, como a distribuição de folhetos educativos e atividades escolares acerca do tema.


Além disso, está em fase de desenvolvimento, um projeto denominado Rota Cultural, que busca integrar os diferentes pontos turísticos de todo o município de Dois Irmãos em um roteiro pela zona rural e urbana do município. O roteiro ainda está em fase experimental, mas se aprovado, ele será mais uma ação que integra o poder público, a iniciativa privada e a sociedade civil. Pode-se dizer que eventos como a Feira do Produtor e a Feira do Livro já possuem ações integradoras dos diferentes segmentos.


  1. 5ANÁLISE DOS CONCEITOS DE CIDADES CRIATIVAS COM A PRÁTICA APLICADA EM DOIS IRMÃOS – PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES


Conforme trazido nas referências, a cidade criativa é uma construção possível a partir das manifestações de seus indivíduos em conjunto com os setores públicos e privados. Além disso, é uma construção que otimiza a utilização do espaço urbano, ressignificando espaços arquitetônicos antigos, evitando sua depredação. Com base em Miranda (2012), a construção de uma cidade criativa se dá pelo conjunto de ações desempenhadas, não só na área da cultura, mas no desenvolvimento urbano em seu aspecto amplo, e com base nos quatro pilares: aspecto econômico, ambiental, social e cultural.


Nesse sentido, nota-se que Dois Irmãos ainda tem muito para evoluir. Conforme apontado no levantamento de dados, a cidade possui diferentes ações isoladas na área cultural, como por exemplo: a reutilização da antiga igreja para a alocação de um museu e de atividades artísticas é um bom exemplo; a manutenção da Praça do Imigrante, local onde acontece uma série de atividades voltadas para diferentes setores; a construção de uma nova praça, maior e melhor estruturada para eventos artísticos cuja necessidade técnica é superior; a existência de um teatro privado, com programação diferenciada para atender públicos distintos; a utilização do palco móvel, na rua central do município, para a realização de apresentações artísticas; a manutenção de sociedades e do museu, com programação ativa e sempre aberto ao público. Têm-se essas ações como isoladas, pois de fato elas acontecem independentemente. Apesar de haver um calendário municipal com os eventos culturais do município, ele não engloba atividades privadas, ainda que este público possua um calendário de eventos e ações pré-definido.


Outras ações bastante restritivas em aspectos econômicos, uma vez que a economia da cidade está embasada no setor calçadista, e suas atividades meio e atividades fins estão bastante ligadas com este segmento. Apesar de ser um setor incluído na indústria criativa, não há como medir a forma como isto impacta no desenvolvimento criativo da cidade. O setor tem como destino da maior parcela de seus produtos o exterior, o que pode fazer com que o sentimento de pertencimento seja menor, uma vez que se trabalha para destinar os produtos para outros locais, que não onde este produto é produzido.


Alguns aspectos positivos no âmbito ambiental referem-se ao ambiente arborizado, limpo e há uma facilidade de mobilidade no centro da cidade. Entretanto, há restrição desta mobilidade no que se refere aos bairros, promovendo uma desconexão entre os locais culturais e quem mora mais distante do centro. Ainda assim, a ideia de pertencimento está presente, o que pode ser um ponto forte no sentido de um possível engajamento para a promoção de mudanças e da participação em ações diferentes. Isso se relaciona com o aspecto social que traz o alto índice de alfabetização, sugerindo que há uma multiplicidade de talentos – e talentos futuros- que podem somar na construção de uma cidade mais criativa.


Retomando os três estágios de Reis (2012), nota-se que Dois Irmãos ainda encontra-se nos estágios iniciais, basicamente entre a primeira e a segunda fase. Acredita-se que há um reconhecimento da necessidade de criar ações complementares em busca de uma cidade melhor e mais criativa, para atrair turistas e reter talentos locais. Isso pode ser observado, por meio de ações já realizadas por alguns segmentos do setor público e privado. Conforme citado anteriormente, a Prefeitura possui um conjunto de ações, ainda que tímidas, relacionado ao campo econômico, com fomento a empresas direcionadas para a área criativa e com a abertura para parcerias; relacionadas ao campo ambiental, com a preservação dos espaços públicos, criação e manutenção de praças; no campo social, com a garantia de educação para a maior parte das crianças e dos adolescentes e no campo cultural, com a realização de atividades de diferentes tipos em espaços distintos. Além disso, algumas empresas privadas também desenvolvem atividades culturais, ainda que a participação destas empresas em outros campos seja indireta. No que se refere à sociedade civil, há uma participação nas atividades propostas, entretanto, ainda é tímida a iniciativa desta parcela social no que se refere a sugestões de mudanças e ações efetivas para essas mudanças.


Essas ações isoladas têm, portanto, uma relação com primeiro estágio de transformação apontado por Reis (2012) que define a criatividade como um elemento esparso, manifestado de forma orgânica, a partir de iniciativas isoladas, colocadas em prática pelo setor público, privado ou pela sociedade civil, sem nenhuma conexão direta entre si. Esse estágio é bastante perceptível em um município onde a Prefeitura já possui um calendário de ações formalizado e reconhecido pela sociedade nos setores culturais e educacionais, mas que por sua vez, ficam restritos ao centro da cidade e, portanto, aos moradores da área central, já que a mobilidade urbana com relação às demais áreas possui deficiência.


Entretanto, algumas ações já sinalizam uma quebra nessa barreira de isolamento, e podem ser consideradas integradoras. Um exemplo é a Rota Colonial que está em fase final de planejamento. Esta ação é uma parceria entre a Prefeitura, setor privado e entidades que buscam não só aumentar o fluxo turístico da cidade, como também, chamar a atenção dos moradores locais para as belezas que estão carregadas com a história do município. A rota possui um roteiro que passa por principais pontos turísticos e históricos que retratam o lado colonial, ainda preservado da região. O fato de a ação ser integrada entre os diferentes segmentos sinaliza um passo para chegar ao segundo estágio de uma cidade criativa conforme estudos de Reis (2012).


Acredita-se que, pela cidade ainda estar em um estágio inicial de transformação, ainda não foi feito um levantamento formal que identifique o setor criativo, apesar de haver o reconhecimento de algumas entidades culturais, como a Companhia Teatral Curto Arte, o Coral Cantares, o grupo de dança Baumscnheis e o Centro de Tradições Gaúchas Portal da Serra, além de outros grupos independentes de Rock e Sertanejo com atividades menos intensas do que os citados primeiro. Essas entidades possuem programações paralelas e, também, participam de eventos maiores do município, como é o caso do Kerb.


Por não ter um levantamento formal, é difícil medir a forma como as medidas propostas por Flórida (2011) que referem-se a talento, tolerância e tecnologia impactam no município. Pode-se presumir que, pelo alto índice de alfabetização, um bom número de pessoas busque um curso técnico ou superior para adquirir conhecimento (aplicando-se em talento e em tecnologia), que, pelo fato da cidade ter uma história fortemente relacionada a imigração alemã e hoje já contar com diversas etnias e gêneros, além de contar com opções de pubs o que agrega à tolerância. Essas informações, entretanto, são apenas presunções ao observar o que a cidade era há alguns anos atrás, principalmente, por sua cultura e como ela está hoje. Ainda assim são informações rasas, pois nunca houve um levantamento formal do impacto de uma cultura de criatividade para a cidade. No que se refere a tolerância, nota-se que houve uma miscigenação significativa nos últimos 30 anos o que, apesar de não estar documentado, pode ser percebido ao andar pela cidade e comparar as diferentes raças, culturas e gêneros, uma vez que, por meio de relatos das pessoas e em livros, recentemente a cidade era ainda de origem, majoritariamente, alemã tendo, inclusive, a fama de não aceitar muito bem outras raças. Nota-se que isso mudou com o passar do tempo e foi diminuído, significativamente, o preconceito entre as pessoas da cidade com as diferenças de outras cidades e, no próprio local.


Além disso, um ponto bastante positivo e que pode ser um fator-chave para um impulso no que diz respeito a Dois Irmãos como uma cidade criativa é o sentimento de pertencimento que existe na maior parte dos moradores, tanto os que nasceram no município, quanto aqueles que se mudaram para a cidade. Esse sentimento de pertencimento, além de ser percebido na pesquisa citada anteriormente, também pode ser visto por meio do engajamento que existe do público com questões relativas ao seu bairro e a sua cidade. Não é raro ver a praça ou o palco móvel cercado de moradores quando há eventos gratuitos, assim como é comum, também, o sucesso de público nas feiras do livro e no Natal dos Anjos, eventos tradicionais que há anos fazem parte do calendário anual de eventos da prefeitura. Também há a mobilização quando o assunto é relativo a melhorias, nas ruas, na segurança, no reflorestamento.


Esses podem ser os pontos-chaves facilitadores desse processo de transformação na cidade. Pois uma vez que já existe um engajamento e o reconhecimento das pessoas pelo lugar, é mais fácil mobilizar as pessoas em prol de uma causa a favor da cidade. Conforme citado anteriormente, com base em Reis (2012), Rotem (2011) o sentimento de fazer parte e de se sentir bem é um dos principais objetivos e resultados alcançados por uma cidade criativa. Então, quando há esse sentimento, ainda que a cidade não possa ser considerada, de fato, uma cidade criativa, é mais fácil obter uma conexão entre os setores da iniciativa pública, empresa privada e sociedade civil, tão importante para o processo transformacional de uma cidade para uma cidade criativa, conforme aponta REIS, 2012.


Nota-se, portanto, que há muito trabalho a fazer e são necessárias melhorias em diversas áreas, além da retomada de uma cultura para a criatividade, que se tinha há anos atrás e que foi desestimulada com o tempo. É necessária, também, a mentalidade de união de forças em prol de uma mesma causa para que as ações sejam interligadas e não apenas isoladas como se tem visto. E, talvez, esse seja o momento mais propício para essa transformação ser levada adiante, uma vez que as pessoas ainda acreditam e se orgulham da cidade. Ao perceber o potencial que existe quando se acredita em uma causa, e, embasado em um planejamento em longo prazo, como mostra Reis (2012), Rotem (2011), Vivant (2012), com ações interconectadas e contínuas em termos de mobilidade urbana, educação e, principalmente cultura, seria possível avançar do nível intermediário entre o primeiro e segundo estágio de transformação, para a construção de uma cidade criativa de fato.


  1. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS


As cidades que se destacam, que atraem e retém talentos, que buscam a inovação, onde há uma interconexão entre os setores público, privado e sociedade civil e o engajamento da população dentro daquele espaço urbano, estão mais próximas de se tornarem uma cidade criativa, conforme foi discutido no embasamento teórico deste estudo. Com base em Reis (2012), Rotem (2011), Landry (2010), Vivant (2012), esse não é um processo que ocorre sorrateiramente, pelo contrário, é uma transformação lenta que compreende estágios de evolução, bem como as características relacionadas a uma cidade criativa de fato, juntamente com a aplicação em um estudo de caso real, que possui indícios razoáveis que demonstram um processo de transformação foram a base para responder ao questionamento norteador que referia-se a relação entre os conceitos que perpassam as cidades criativas, no que diz respeito ao processo de transformação de uma cidade em criativa e a prática, por meio do estudo das ações e oportunidades já criadas e em desenvolvimento em Dois Irmãos, uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul. Foi base, também, para a concretização do objetivo de compreender essa relação entre teoria e prática na construção das ações para uma cidade mais criativa.

No que se refere ao retorno das hipóteses, pode-se notar que elas foram confirmadas na medida em que notou-se, por meio dos exemplos trazidos na análise, que de fato, a cidade está em um estágio inicial de transformação. Foi concluído, que a cidade se encontra entre o primeiro e o segundo estágio, sendo que o primeiro não foi totalmente alcançado e a sua relação com o segundo ainda é superficial, ainda que as medidas estejam, cada vez mais, interligadas e avançando para esse estágio.


Também foi confirmada a hipótese que se referia aos movimentos de parcerias público-privadas. Notou-se que há, sim, um esforço nesse sentido, mas ainda restrito a determinadas empresas e a ações bastante específicas, como trazido na análise desta pesquisa.


Um fator-chave que não foi trazido na introdução deste estudo e que se mostrou bastante positivo para sustentar os avanços da cidade em seu processo de transformação, foi o sentimento de pertencimento dos moradores. Relacionando com os estudos apresentados ao longo desta pesquisa, este pode ser um facilitador para o engajamento dos setores público, privado e sociedade civil e, também, dos moradores a uma proposta de ações de longo prazo em busca de uma cultura da criatividade. Essa cultura da criatividade, por sua vez, mostrou-se o passo mais importante a ser desenvolvido, visto que já era estimulada antigamente, mas deixou de ter estímulos ao longo do tempo. Por fim, concluiu-se que há um longo caminho para Dois Irmãos se tornar, de fato, uma cidade criativa, mas há inúmeros fatores e opções a favor do município e que mostram que o desenvolvimento pode começar logo.


Com isso, esse estudo contribuiu para um maior entendimento do que é uma cidade criativa, dos fatores que norteiam este conceito e, principalmente, a pesquisa mostrou uma aplicação prática em um município pequeno que tem iniciativas que mostram um processo de transformação. Isso dá maior proximidade a outras cidades com o mesmo perfil, uma vez que se pode ter a ideia de que conceitos como este só são aplicados a cidades famosas e já consolidadas. Essa aproximação se faz necessária, uma vez que ela pode incentivar na busca de um mapeamento mais completo sobre a classe criativa e os potenciais e fraquezas do município nesse sentido. Essa falta de dados específicos foi percebida como a maior dificuldade do estudo. Como estudos futuros, sugere-se a aplicação das ideias trazidas nesta pesquisa e o acompanhamento das ações que a cidade vem fazendo, bem como uma busca maior pelo resultado dessas ações como impactantes em um processo de uma cultura para criatividade.


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1 Mestranda em Indústria Criativa, na Universidade Feevale, Novo Hamburgo. Graduação em Relações Públicas, na Universidade Feevale. E-mail: camilaborniger@feevale.br

2 Doutora em Comunicação Social PUC/RS. Professora Titular e Pesquisadora na Universidade Feevale, Novo Hamburgo. Docente no Curso de Turismo e no Mestrado em Indústria Criativa. E-mail: marysga@feevale.br

3 Doutor em Comunicação Social UNISINOS, São Leopoldo. Professor Titular e Pesquisador na Universidade Feevale, Novo Hamburgo. Docente nos Cursos de Comunicação Social, Jogos Digitais e no Mestrado em Indústria Criativa. E-mail: marsal@feevale.br

4 Utilizam-se os quatro pilares do desenvolvimento propostos por Miranda (2012) para conceituar a realidade do município hoje, pois dessa forma é possível contemplar diferentes perspectivas do município que se relacionam direta ou indiretamente com as correntes teóricas relativas às cidades criativas, tema central desta pesquisa. Apesar de utilizar os 4 pilares, há um foco maior no aspecto cultural.









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